terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Homem-boneca

Não havia outro lugar para olhar. Ele só sabia encarar suas mãos entrelaçadas que se apertavam e se esfregavam num sinal claro de nervosismo e desespero. Todo o seu corpo estava estático enquanto na sua cabeça um terremoto acontecia naquele exato momento. Estava de pé na porta de entrada. Ela estava fechada às suas costas e a rua lhe chamando para viver o resto de sua vida... Com muito esforço conseguiu erguer os olhos e olhar as árvores que faziam as vezes de portão, iluminadas por um sol generoso e cruel ao mesmo tempo.

Do outro lado da rua uma garotinha brincava com sua boneca e observou o homem parado, olhando para o nada e se encantou com um brilho repentino que correu dos seus olhos ate a sua camisa. Era engraçado como aquele moço parecia muito com sua boneca nova: paradinho, com as mãozinhas juntas, um olhar congelado num rosto muito branco, quase sem expressão e que, de vez em quando, brilhava, como sua boneca dependendo do ângulo que a segurava no sol...

Dentre tudo o que estava sentindo, o que conseguiu distinguir com mais facilidade foi um vontade enorme de desmoronar ali mesmo. Não existia sentido ir a qualquer lugar que fosse. E desejou com toda a força não ter existido, nunca. Pensou em algumas pessoas que talvez fossem sentir sua falta... pensou um pouco mais e viu que isso logo passaria... não a dor, mas a falta que sentiriam dele. Aí desejou um pouco mais forte.

As bonecas continuaram sendo lançadas de um lado para o outro. Seus nomes sempre gritados. ´´ Menina má, não faça isso...´´ ´´Muito bem filhinha, um pouco mais de chá?´´´´Cuidado senão te esqueço no marcadinho...´´´´ Não vou mais brincar com você,você está de castigo!´´.

O sol continuava ali, mas como se ouvisse os desejos do moço parado à porta, iluminou um pouco mais. As lágrimas agora corriam com mais fluidez... agora não só brilhavam, mas tinham cor. A medida que corriam pelo rosto, pescoço e corpo do homem iam lhe tirando a cor e o dissolvendo. Com pouco tempo suas roupas já estavam molhadas e no chão um pequena possa colorida se formava. Houve um momento e tudo ficou claro, mas como num piscar de olhos voltou ao normal. A garotinha olhou para a porta, onde outrora vira o homem-boneca, pensando que agora o moço estaria fazendo retratos dela e já ia fazendo uma pose para o próximo flash quando percebeu que não havia mais ninguém ali. Olhou para os lados, deu de ombros e ´´Betinha, volte já para a mesa, você ainda não terminou seu café da manhã! Olha lá hein, a mamãe vai ficar muito zangada com você!´´

No chão não havia mais nada a não ser uma pequena gota que ainda cintilava ao sol e que, segundos depois, evaporou e se juntou ao nada.

(Acho que estou começando a voltar... sei que isso não é original, mas a música que ouvia nesse momento é: You Lost me by Christina Aguilera.)

2 comentários:

SoulFree disse...

Às vezes me sinto tal qual esta boneca...Mas quando me encontro no lugar do homem, perdido no tempo-espaço, é que a vida se descolore e desbota-se! Quem dera se as lágrimas que se empoçam pudessem ser externas, pior mesmo é quando não se consegue externar seu sentimento a tempo de não se afogar!
Lindo texto rapaz!

SoulFree disse...

Ps: Essa música da Christina é fodástica...rs