segunda-feira, 27 de março de 2006

Caminho

Encontrar-nos na vida é uma das coisas mais difíceis nessa jornada da qual participamos, poucos conseguem e se conseguem é por sorte, o resto passa a vida toda buscando, morrem sem nada descobrir.
Agora, penso que o verdadeiro sentido da vida, o seu propósito, seria mesmo o de deixar que nós nunca consigamos nos encontrar, por que é na busca que descobrimos sentimentos novos, descobrimos novos valores, pessoas que jamais imaginaríamos em conhecer, e encontrando tudo isso a vida já faz tanto sentido que nem sei se valeria a pena achar o que tanto procuramos.
O que seria da vida se ao nascer alguém dissesse para nós o seu sentido, o que ela significa, o que seriamos ou o que teríamos que fazer para sermos bem sucedidos? Seria uma coisa muito sem graça não precisar fazer coisas erradas pra chegar a certa, não precisar conhecer pessoas de todo tipo, só as certas, namorar diversas pessoas pra achar a certa, tentar aprender a tocar piano sem saber que deveria estar tocando oboé, seria horrível não precisar chorar, seria horrível nunca sentir a sensação de "dessa vez, depois de tanto tempo, deu certo!".
Então fazemos muitas coisas de olhos vendados, sem saber o que virá logo mais, e no meio desse caminho encontramos pessoas que estão indo pra o mesmo lado, sem saber se é o certo. Pessoas que as vezes querem o mesmo que nós, pessoas que pelo caminho tornam nossas vidas menos tensas. São elas que fazem com que as vezes esqueçamos para onde estamos indo, a jornada e o objetivo passam a ser secundários, podemos ir a qualquer lugar, se for na companhia delas...
Acho que seria lógico pensar que o verdadeiro objetivo das nossas vidas é encontra essas pessoas, que a maneira mais fácil de nos acharmos é olhando para dentro das outras pessoas, dessas pessoas. Será que isso explica ficarmos tão felizes quando encontramos alguém que gosta das mesmas coisas que nós? Será que não é nesse momento que estamos nos encontrando?
Somos todos espelhos e se gostamos do que estamos vendo numa pessoa é por que aquilo está em nós, ou pelo menos é o que em nós devemos buscar.

sábado, 18 de março de 2006

Uma testa e um dedo

- Não tem sentido nenhum.
- Então vai, faz isso mesmo que você disse. Eu só acho que você não tem coragem...
- Isso não é uma questão de coragem, é uma questão de princípios!
- Mas que princípios o quê! Ninguém precisa ter princípios pra colocar uma bala no meio da testa, só precisa ter uma testa e um dedo.
- Uma testa e um dedo são muito, mas muito pouco mesmo perto de um monte de gente dizendo pra você a vida inteirinha o que você pode ou o que você não pode fazer com a vida que, por um acaso, não é sua.
- Mas se a vida não é sua, é de quem então?
- Ah de qualquer um... dos meus pais, da minha cidade, da minha sociedade, sei lá...
- A minha vida é minha, não tem isso comigo não... se for assim eu to muito endividado, nunca paguei o aluguel!
-Você é que pensa. Você está pagando há muito tempo e faz isso sem nem perceber.
- Mas como, não, isso não, tá tudo errado isso aí que você ta falando, nada a ver.
- Seus pais te ensinaram a pagar desde quando você nasceu, acredite, já é inconsciente!
- Mas como se eu não sinto falta de nada?
- Isto é claro, você não pode sentir falta do que nunca teve não é? São muito pouco os que sentem falta...
- Eu não te entendo, não mesmo...
- Meu amigo, se é por isso mesmo que quero decidir por continuar ou não aqui, pra deixar de pagar esse tributo, como não entendes?
- O que você quer é se sentir livre da responsabilidade de lutar igual todo mundo pela vida. Pra falar a verdade, acho uma vergonha isso que você quer fazer, desistir assim...
- Agora é você quem esta exercendo o papel de cobrador? Não se vê pagando não é? Será que consegue perceber o que esta tentando tirar de mim?
- Você começa a me parecer louco, acho que nem você entende o que diz.
- É isso mesmo, você está tentando tirar de mim o que nunca teve, o que nunca tive também. A diferença entre nós dois é que consigo perceber a falta que me faz. Você? Acho que nunca nem deu falta mesmo.
- Mas do que é que você está falando homem?
-Rsrsrs, da liberdade meu amigo, da liberdade!
- Realmente, está louco. Como da liberdade? Estamos totalmente livres!
- Parabéns! Como você conseguiu chegar a essa conclusão? Ah, não fala não, me deixa adivinhar: Você nem está numa cela e nem tem algemas nas mãos? Ah faça-me o favor, você é muito mais esperto do que isso.
- Sou, sou mais esperto mesmo. E sou esperto o suficiente pra saber que não vai me adiantar tirar a minha vida por causa disso.
-Ah é, então o que é que você está fazendo com essa sua esperteza? Deixando ela guardada numa gaveta, por que eu não estou vendo você fazer nada pra mudar a situação.
-Ah ta, e você está fazendo o que, pode me dizer? Você acha que tirar a sua vida vai mudar alguma coisa?
- Pode não mudar nada, mas vai significar pra mim... vai mostrar que pelo menos uma vez eu pude escolher o que fazer, vai mostrar que uma vez fui livre e talvez continue... talvez só os suicidas conheçam a liberdade, talvez apenas eles tenham conhecido o que é realmente voar no espaço, sem nada que os impedisse, livres...
- Você não pode fazer isso, é loucura!
- Aí esta você de novo, senhor cobrador! O que que você acha, que tirando a minha liberdade você vai se sentir melhor?Acha que me igualando a você tudo fica certo? A liberdade que é tirada não serve para mais ninguém, não adianta, você não vai se sentir melhor. Ela some quando arrancada de quem a pertence, consumida... e todos continuam com fome, nunca se saciam, nunca se saciaram.
- Você não sabe mais do que está falando...
- Posso não saber, posso nem estar fazendo a coisa certa, mas estou decidindo, essa é a pura questão... Estou sentido minhas assas querendo voar, EU estou tomando a decisão, estou me sentindo livre...

domingo, 12 de março de 2006

Pensamentos, escambo, teatro...

Seres humanos. É o que somos e sabemos muito bem ser essa racinha difícil de se lidar! Somos egoístas por natureza e a nossa sociedade nos fez ser também capitalistas desde a barriga da nossa querida mamãe. Nossa mente trabalha incrivelmente bem como todos sabemos, adaptando-se a tudo que nos foi imposto pela natureza e pelos outros seres humanos até hoje. Ela trabalha também de forma a sempre beneficiar seu corpo, claro, instinto de sobrevivência, sem ele não viveríamos. O fato é que estamos sendo criados e estamos criando indivíduos cuja mente funciona a base de trocas. É muito difícil perceber algo genuinamente dado por alguém sem que, mesmo que inconscientemente, implicitamente, uma outra coisa tenha sido alvo do desejo de troca dessa pessoa. Também isso acontece quando pedimos alguma coisa, e muitas vezes, para consegui - lá, a primeira coisa que fazemos é oferecer uma troca. Estive observando isso num momento onde as coisas não deveriam funcionar dessa forma: quando oramos a Deus! Se você nunca percebeu isso ou já está dizendo que não faz, desculpe desapontar-te, mas pelo menos uma vez você já fez isso, talvez não por que você quisesse, mas inconscientemente. As coisas acontecem mais facilmente se você deseja muito o que pede, como se para que você obtenha o credito para receber determinada coisa você tenha que fazer ou dar algo em troca, enfim, nossa mente funciona num sistema de escambo.
Essa é uma realidade, não posso negar. Ando percebendo bizarrices humanas em mim a cada dia que passa, e as percebo também nas pessoas com quem converso. No jeito delas se vestirem, de se divertirem, de falar uma com as outras, de olhar uma comida, de escrever uma frase, de dizer que gosta ou que ama(o que anda cada vez mais difícil de se ver), do jeito como se deixam levar pelas circunstancias, do jeito que atuam no dia a dia. È interessante ver que não existem atores só em cima do palco e que não existem atores bons ou ruins só no mundo cênico, vez ou outro somos capazes de encontrar péssimos atores e atrizes da vida, fazendo seus papéis medíocres. Então acaba de me ocorrer a pergunta: como ser um bom ator e como saber se atuo bem? Essa pergunta temos que fazer a nós mesmos todos os dias, antes ou depois de escolhermos o personagem que faremos durante as próximas horas.

sexta-feira, 3 de março de 2006

Os tijlos

A nossa casa sempre nos deu uma sensação muito boa, era realmente o que chamam de lar. Mesmo com suas paredes tortas e cerâmica velha, quebrada aqui ou acolá, tudo tinha um ar muito nosso. A idéia de nos desfazer desse lugar onde tudo de uma vida tinha acontecido nos doía os ouvidos, o zunidinho chato aparecia só de pensar que um dia pararíamos de descer aquela ladeira que nos levava ao nosso mundo comum, à nossa casa-família.
Então, todo dia, depois que apareceu a possibilidade de mudança, cada um de nós que saia, demorava um pouco mais segurando a chave na tranca da porta. Quando saia do portão velho pra rua, se virava e olhava com gosto aquelas janelas que de onde, ainda sem alcançá-las, via o céu, as nuvens, a chuva caindo escondida, mas sendo descoberta pela luz que saia do poste que se colocava sempre grande do lado de casa.
Não dá pra saber até quando as lembranças vão ficar vivas nas nossas cabeças, nem até quando nós vamos nos lembrar do sabor das gargalhadas que ecoaram naquelas paredes, mas sabemos que enquanto existirmos, não importa se pra sempre dentro ou fora dessa construção, os tijolos desse lar nunca serão vendidos.

quinta-feira, 2 de março de 2006

Kami

Quando as palavras não querem mais sair da nossa boca, embora fiquem tilintando como uma chuva escassa na nossa cabeça, a única coisa mais acertada a fazer é partir para o nosso amigo sempre disposto, o papel.
A ele recorrem todos os tipos de pessoas: escritores consagrados, escritores anônimos, escritores que não sabem que o são, escritores que desejam ser melhores, grandes escritores, pequenos também, escritores semi-analfabetos, enfim, recorrem todos e qualquer um que deseja falar sem ouvir.
E quem foi que disse que o silencio não fala?Ihh, essa é uma das coisas que mais se ouve por aí: às vezes o silêncio fala mais de que mil palavras. Então venhamos e convenhamos, o papel fala tanto quanto qualquer vizinho ou amigo tagarela. O que nunca, ou quase nunca conseguimos compreender é o que ele está querendo dizer. Basta prestar um pouquinho de atenção pra ver que tudo se reflete no que escrevemos...não dizem que depois de uma noite de sono tudo pode mudar, as coisas se acalmam, as idéias fluem e por aí em diante? Então, com o papel acontece a mesma coisa, a gente precisa dar um tempo a ele e a nós mesmos, precisamos fazer esse exercício de paciência e não jogar fora quem tanto pode nos falar. Isso é uma das coisas que acredito: creio que jogar alguma coisa que escrevemos fora antes de lê-la depois de alguns meses pode ser um erro muito grave...
Outra coisa que se pode fazer para melhorar, ou pelo menos agilizar esse papo pessoa-papel, papel-pessoa é mostrando para alguém. Só alguém de fora vai descobrir com mais facilidade o que esse sábio papel está tentando te dizer. Prove e veja como isso é verdade. Contudo, se você não gosta de se expor ou de se abrir, ou talvez o assunto seja muito confidencial, aguarde com paciência a resposta do papel.
Esse retângulo branco pode ser muito enigmático, mas nunca vai deixar de nos mostrar a resposta para as nossas perguntas.

O começo de mais um caderno

Ha algum tempo atrás um caderno foi adquirido e começou a ser rabiscado por uma criança totalmente inexperiente e que jamais tinha conhecido um papel. Houve um deslumbramento muito grande pois a criança nunca tinha visto algo tão fantástico como esta "coisa" chamada papel. Rabiscava sempre e não se importava muito com o que nele colocava. Nunca checava se o que escrevia era bom, nem se importava se o que colocava nele era realmente o que chamam de escrita, não sabia o que era uma letra, uma frase, quiçá um texto...desenhava, conversava, adornava...até que o tempo foi se passando e todo o encanto que outrora o papel lhe trouxe foi embora.
Escrevia cada vez menos e com espaços de tempos maiores. Quando escrevia já não tinha o mesmo fervor, as vezes colocava coisas escritas por outros, as vezes coisas que já tinha escrevido a algum tempo, mas nada novo.
Assim, aquele caderno foi sendo deixado cada vez mais de lado até que se perdeu num imenso mar, colorido, cheinho de bites e bytes...
Hoje, a criança um pouco mais crescida mas nem um pouco mais experiente, ganhou um outro caderno...onde estará seu deslumbramento desta vez?